domingo, novembro 25, 2018

A BARATA| Estive pensando sobre curiosidades da minha infância. Uma coisa que me intrigava - mesmo eu ainda não sabendo falar a palavra "intrigava" - era como um bicho tão feio feito a barata poderia ter sete saias de filó! (...) Como? Imagina:se era impossível ter uma, muito menos sete. Contudo, essa ideia tornava a barata muito menos assustadora... imaginava ela dançando, rodando e sua saia de filóflutuando!!! Ai, criança tem cada coisa bonita!

quinta-feira, maio 30, 2013

Vento de outono

As vezes ouço passar o vento;
e  só de   o   u   v  i   r    o  vento passar (ah!)
vale pena ter nascido. (Fernando Pessoa)

terça-feira, abril 30, 2013

Deixei uma ave me amanhecer.
Toda vez que a manhã está sendo começada nos meus olhos, é assim...

Essa luz empoçada em avencas.

As avencas são cegas.
Nenhuma flor protege o silêncio quanto elas.
Ó a luz da manhã empoçada em avencas!
Sabiá de setembro tem orvalho na voz.
De manhã ele recita o sol.

Quando eu nasci o silêncio foi aumentado.
Meu pai sempre entendeu que eu era torto
Mas sempre me aprumou.
Passei anos me procurando por lugares nenhuns.
Até que não me achei

                             - e fui salva.
                  Às vezes caminhava como se fosse um bulbo.
Agora estou sonhado de glicínias.

Não sei bem de que cor é a cor do amaranto.
Mas pelo amar e pelo canto 
fica bem esse amaranto aí 
(melhor do que se eu usasse perpétua,  que é o outro nome que se põe a essa flor).
Amaranto murmura melhor.

Achei entre os pertences de Bernardo um vaso de colher chuvas, um cachimbo
e um rosto de inseto dependurado na calça.

Bernardo tem fé quase assim de molusco.
Para saber dos passarinhos só precisa de suas ignorâncias.

A voz de um passarinho me recita.

Os morros se andorinham longemente...
Eu me horizonto.
Eu sou o horizonte dessas garças.

Depois que atravessarem o muro e a tarde os caracóis cessarão.
Às vezes cessam ao meio.
Cessam de repente, porque lhes acaba por dentro a gosma com que sagram os seus caminhos.
Vêm os meninos e os arrancam da parede
ocos
E com formigas por dentro passeando em seus restos de carne.
Essas formigas são indóceis de ocos.
Ah, como serão ardentes nos caracóis os desejos de voar!


P.S.: Caracol é uma solidão que anda na parede.


Manoel de Barros

terça-feira, abril 03, 2012

Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros.
Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.

Clarice Lispector

sexta-feira, outubro 28, 2011

A acrobata

Luz Marina Acosta era menininha quando descobriu o circo Feruliche.
O circo Feruliche emergiu certa noite, mágico barco de luzes, das profundidades do Lago da Nicarágua. Eram clarins guerreiros as cornetas de papelão dos palhaços e bandeiras altas, os farrapos que ondulavam anunciando a maior festa do mundo.

A lona estava toda cheia de remendos, e também os leões, aposentados leões; mas a lona era um castelo e os leões, os reis da selva. E uma senhora rechonchuda, brilhante de lantejoulas, era a rainha dos céus, balançando nos trapézios a um metro do chão.

Então, Luz Marina deciciu tornar-se acrobata. E saltou de verdade, lá do alto, e em sua primeira acrobacia, aos seis anos de idade, quebrou as costelas.

E assim foi, depois, a vida. Na guerra, longa guerra contra a ditadura de Somonza, e nos amores: sempre voando, sempre quebrando as costelas.
Porque quem entra no circo Feruliche não sai jamais.
(Eduardo Galeano)

quinta-feira, setembro 15, 2011

Nossa Senhora da Flor Roxa. Rosai por nós.
Assim na vida. Como no chão.
A primavera de cada ano. Nos dai hoje.

Alice Ruiz

sexta-feira, setembro 02, 2011

A primeira vez que entendi


A primeira vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na infância
cortei o rabo de uma lagartixa
e ele continuou se mexendo.

De lá pra cá
fui percebendo que as coisas permanecem
vivas e tortas
que o amor não acaba assim
que é difícil extirpar o mal pela raiz.

A segunda vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na adolescência me arrancaram
do lado esquerdo três certezas
e eu tive que seguir em frente.

De lá pra cá
aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens
seja nas nuvens
ou no grafite de qualquer muro.

Affonso Romano de Sant’Anna

Angústia

Queremos saber o que vão fazer com as novas invenções.
Queremos notícia mais séria sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações na emancipação do homem das grandes populações.
Homens pobres das cidades, das estepes dos sertões.
Queremos saber, quando vamos ter raio laser mais barato.
Queremos, de fato, um relato, retrato mais sério do mistério da luz.
Luz do disco voador.
Pra iluminação do homem.
Tão carente, sofredor, tão perdido na distância, na morada do senhor.
Queremos saber, queremos viver confiantes no futuro.
Por isso se faz necessário prever qual o itinerário da ilusão.
A ilusão do poder.
Pois se foi permitido ao homem tantas coisas conhecer
É melhor que todos saibam o que pode acontecer.
Queremos saber, queremos saber.
Queremos saber, todos queremos saber.
Gilberto Gil

Ainda com Guimarães...

“Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores, diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça para o total.”

Guimarães Rosa