terça-feira, abril 30, 2013

Deixei uma ave me amanhecer.
Toda vez que a manhã está sendo começada nos meus olhos, é assim...

Essa luz empoçada em avencas.

As avencas são cegas.
Nenhuma flor protege o silêncio quanto elas.
Ó a luz da manhã empoçada em avencas!
Sabiá de setembro tem orvalho na voz.
De manhã ele recita o sol.

Quando eu nasci o silêncio foi aumentado.
Meu pai sempre entendeu que eu era torto
Mas sempre me aprumou.
Passei anos me procurando por lugares nenhuns.
Até que não me achei

                             - e fui salva.
                  Às vezes caminhava como se fosse um bulbo.
Agora estou sonhado de glicínias.

Não sei bem de que cor é a cor do amaranto.
Mas pelo amar e pelo canto 
fica bem esse amaranto aí 
(melhor do que se eu usasse perpétua,  que é o outro nome que se põe a essa flor).
Amaranto murmura melhor.

Achei entre os pertences de Bernardo um vaso de colher chuvas, um cachimbo
e um rosto de inseto dependurado na calça.

Bernardo tem fé quase assim de molusco.
Para saber dos passarinhos só precisa de suas ignorâncias.

A voz de um passarinho me recita.

Os morros se andorinham longemente...
Eu me horizonto.
Eu sou o horizonte dessas garças.

Depois que atravessarem o muro e a tarde os caracóis cessarão.
Às vezes cessam ao meio.
Cessam de repente, porque lhes acaba por dentro a gosma com que sagram os seus caminhos.
Vêm os meninos e os arrancam da parede
ocos
E com formigas por dentro passeando em seus restos de carne.
Essas formigas são indóceis de ocos.
Ah, como serão ardentes nos caracóis os desejos de voar!


P.S.: Caracol é uma solidão que anda na parede.


Manoel de Barros

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